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sábado, 7 de novembro de 2009

Resenha da primeira dissertação do "Genealogia da moral" de Nietzsche




Nietzsche principia a obra circunscrevendo o ambiente mental no qual emergiu suas primeiras indagações a respeito da moral. Fala dos estímulos da infância, e das idéias que antes eram aceitas e praticadas por ele. (cita inclusive o “imperativo categórico” de Kant). Deixa claro também a interdependência do livro “Genealogia da moral” ao “Humano, demasiado humano”; nas palavras de Nietzsche:

Meus pensamentos sobre a procedência de nossos preconceitos morais - pois disso se trata neste escrito polêmico - receberam sua primeira, parcimoniosa e provisória expressão naquela coletânea de aforismos que leva o título Humano, Demasiado Humano. (...) Eram, no principal, já os mesmos pensamentos que retomo nas presentes dissertações: - esperamos que o longo intervalo lhes tenha feito bem, que eles se tenham tornado mais maduros, mais claros, mais fortes, mais perfeitos!”

Nesse prelúdio, vemos um Nietzsche que, em infância, se atrelou à moral teológica; e fez dela, a posteriori, objeto de estudo e descrédito. Mais adiante, o filósofo abandona a busca pelo mal em Deus e vira-se para a moral mundana, aquela angariada nas vísceras da civilização branca-cristã-ocidental:

“Felizmente aprendi a tempo a separar o preconceito teológico do moral, e não procurei mais a origem do mal atrás do mundo. Algo de escolaridade histórica e filológica, inclusive um inato sentido seletivo em vista de questões psicológicas em geral, transmudou em breve meu problema neste outro: sob que condições inventou-se o homem aqueles juízos de valor, bom e mau? e que valor têm eles mesmos? Obstruíram ou favoreceram até agora o prosperar da humanidade? São um signo de estado de indigência, de empobrecimento, de degeneração da vida? Ou, inversamente, denuncia-se neles a plenitude, a força, a vontade de vida, seu ânimo, sua confiança, seu futuro?”

Ainda nesta introdução ao leitor, Nietzsche delimita ainda mais seu tema, excluindo a repugnância mundana de seu mestre, Schopenhauer. (Pois como “mestre”, ele trata Schopenhauer); depositando-o no mesmo banco dos réus de filósofos como Platão, Spinoza, La Rochefoucauld, Kant e, por extensão, toda a mentalidade moral européia de compaixão, como se vê nessas linhas:

Mas precisamente contra esses instintos manifestava-se em mim uma desconfiança cada vez mais radical, um ceticismo cada vez mais profundo! Precisamente nisso enxerguei o grande perigo para a humanidade, sua mais sublime sedução e tentação - a quê? ao nada? -; precisamente nisso enxerguei o começo do fim, o ponto morto, o cansaço que olha para trás, a vontade que se volta contra a vida, a última doença anunciando-se terna e melancólica: eu compreendi a moral da compaixão, cada vez mais se alastrando, capturando e tornando doentes até mesmo os filósofos, como o mais inquietante sintoma dessa nossa inquietante cultura européia; como o seu caminho sinuoso em direção a um novo budismo? a um budismo europeu? a um - niilismo?... Pois essa moderna preferência e superestimação da compaixão por parte dos filósofos é algo novo: justamente sobre o não-valor da compaixão os filósofos estavam até agora de acordo. Menciono apenas Platão, Spinoza, La Rochefoucauld e Kant, quatro espíritos tão diversos quanto possível um do outro, mas unânimes em um ponto: na pouca estima da compaixão.”

Nietzsche abre sua primeira dissertação admoestando os dissecadores da genealogia da moral de sua época: os psicólogos. À explicação deles da gênese do “bom”, ― conceito nasceria dos atos não egoístas que os homens faziam aos outros, e esses últimos pronunciaram como bons e, sentindo a utilidade nesses atos, amalgamaram no tempo, o “bom” ao “não egoísta”, ao “útil”. Nietzsche substitui esse entendimento pelo de que o “bom”, ou seja, o homem superior, aristocrático, e poderoso, grafou seus próprios atos como “bons”, em contraposição a tudo que era baixo, fraco, e plebeu. E a utilidade não era “útil” por estar vinculada ao ato em si, mas era antes de tudo, pressuposto lógico.

A idéia etimológica de um “bom” não egoístico em oposição ao “mau” egoístico nasceu em seguida com o declínio do poder aristocrático e sua moral. Primordialmente, o “bom” foi o signo lingüístico de distinção entre o forte e nobre, e o “mau”, não existia como tal. Havia sim o “ruim” como signo da plebe. Trata-se portanto de oposição entre “bom”-forte e “ruim”-fraco.

Como a utilidade esteve sempre presente, e ainda hoje o é tão vívido, Nietzsche se pergunta como pode o homem se olvidar, ou não conhecer os ruídos do “bom” primordial? Na resposta Nietzsche refuta parcialmente a explicação do filósofo Spencer que crê no “bom” não somente ligado umbilicalmente ao “útil”; mas como sinônimo. O autor encontra então a solução nos significados da palavra em diversas línguas; Nietzsche diz:

(...)que significam exatamente, do ponto de vista etimológico, as designações para "bom" cunhadas pelas diversas línguas? Descobri então que todas elas remetem à mesma transformação conceitual - que, em toda parte, "nobre", "aristocrático", no sentido social, é o conceito básico a partir do qual necessariamente se desenvolveu "bom", no sentido de "espiritualmente nobre", "aristocrático", de "espiritualmente bem-nascido", "espiritualmente privilegiado": um desenvolvimento que sempre corre paralelo àquele outro que faz "plebeu", "comum", "baixo" transmutar-se finalmente em "ruim". O exemplo mais eloqüente deste último é o próprio termo alemão schlecht [ruim], o qual é idêntico a schlicht [simples] - confira-se schlechtweg, schlechterdings [ambos "simplesmente"] - e originalmente designava o homem simples, comum, ainda sem olhar depreciativo, apenas em oposição ao nobre.”

Nietzsche desdobra exemplos na fronte do leitor. O termo “bom” passar a existir como significado de nobre entre as línguas indo-européias, como o termo “arya” do iraniano; e do mesmo modo no eslavo antigo; e no grego, que por sua vez, a palavra correspondente significava o homem de caráter “verdadeiro”, em contrapartida, do “mentiroso”, ou a plebe. Mais tarde, com a queda da aristocracia grega, o vocábulo ganha o significado de nobre espiritual; “doce e madura”, perdendo boa parte de sua lembrança cultural guerreira. Quanto ao exemplo latino dado por Nietzsche, prefiro, por censura externa, citar o próprio autor, pois os mortos não responderão a processos, mas vivos sim:

O latim malus (ao qual relaciono µ [negro]) poderia caracterizar o homem comum como homem de pele escura, sobretudo como de cabelos negros ("hic Níger est-"), como habitante pré-aria no do território da Itália, que através da cor se distinguia claramente da raça loura, ariana, dos conquistadores tornados senhores; ao menos o gaélico me oferece um caso correspondente - fin (por exemplo, no nome Fin-Gal5), o termo distintivo da nobreza, por fim do homem bom, nobre, puro, originalmente o homem louro, em contraposição aos nativos de pele escura e cabelos negros. Os celtas, diga-se de passagem, eram sem dúvida uma raça loura; comete-se um erro, associando aquelas faixas de uma população de cabelos escuros essencialmente, que se fazem visíveis nos mais cuidadosos mapas etnográficos da Alemanha, a alguma origem ou mistura sanguínea céltica, como ainda faz Virchow6: nesses lugares aparece a população pré-ariana da Alemanha. (O mesmo é válido praticamente para toda a Europa: no essencial, a raça submetida terminou por reaver a preponderância, na cor, na forma curta do crânio, talvez até mesmo nos instintos sociais e intelectuais: quem nos garante que a moderna democracia, o ainda mais moderno anarquismo, e sobretudo essa inclinação pela "commune", pela mais primitiva forma social, que é hoje comum a todos os socialistas da Europa, não signifique principalmente um gigantesco atavismo - e que a raça de conquistadores e senhores, a dos arianos, não esteja sucumbindo também fisiologicamente?...) Acredito poder interpretar o latim bonus como "o guerreiro", desde que esteja certo ao derivar bonus de um mais antigo duonus(compare-se belum= duelum= duen-lum, no qual me parece conservado o duonus). Bonus, portanto, como homem da disputa, da dissensão (duo), como o guerreiro: percebe-se o que na Roma antiga constituía a "bondade" de um homem. Mesmo o nosso alemão Gut [bom]: não significaria "o divino" [den Göttlichen], o homem "de linhagem divina" [göttlichen Geschlechts]? E não seria idêntico ao nome do povo (originalmente da nobreza), os godos [Goten]? Os motivos para esta suposição não cabem aqui.”

Nessa linha, Nietzsche nos traz um adendo importante. Diante da mutação de valor impetrado ao termo “bom”, ele ganha uma preferência entre os sacerdotes que, em sua indigência de estarem avalizados, tomam para si esse termo, levando em seu rebanho, toda a plebe igualmente ressentida. Brota uma “guerra” entre os guerreiros e sacerdotes pela propriedade do signo e do valor do “bom”. Enquanto os primeiros primavam pela “guerra, aventura, caça, dança, torneios e tudo o que envolve uma atividade robusta, livre, contente” ; os segundos primam pelo oposto.

A partir deste momento, Nietzsche tece uma teia de ligações e distorções que; ― primeiro os sacerdotes judeus e seu maior ícone: Jesus Cristo, depois os seus seguidores: os cristãos ―; cometeram no mundo ocidental. Explora o fundamento “ressentimento”. Este seria o marco inicial da vil reação do plebeu ao nobre. Enquanto os fortes se afirmam em suas ações como forte, belo, poderoso; os fracos rebelam-se contra o que está fora deles. São invejosos, e destilam todo o ódio dos ressentidos aos fortes. Não são capazes de se garantirem, mas de ressentir-se dos que se afirmam. O forte faz o bem, e por fazê-lo, é forte; é feliz; é bondoso; é “bom”-nobre, ou seja, é forte! O ressentido é para o “bom”, o homem “ruim” e não o “mau” como viera a rotular os ressentidos, aos “bons” quando de sua ascensão. Como “ruins”, fracos, infelizes, plebeus; para o “bom”, eles são o baixo que não pode, nem o é, “mau”; é tão somente, plebe, baixeza.

E é nesse contexto; neste campo que gladiam as duas morais. E do lado guerreiro, as palavras de Nietzsche:

“Ali desfrutam a liberdade de toda coerção social, na selva se recobram da tensão trazida por um longo cerceamento e confinamento na paz da comunidade, retornam à inocente consciência dos animais de rapina, como jubilosos monstros que deixam atrás de si, com ânimo elevado e equilíbrio interior, uma sucessão horrenda de assassínios, incêndios, violações e torturas, como se tudo não passasse de brincadeira de estudantes, convencidos de que mais uma vez os poetas muito terão para cantar e louvar. Na raiz de todas as raças nobres é difícil não reconhecer o animal de rapina, a magnífica besta loura que vagueia ávida de espólios e vitórias; de quando em quando este cerne oculto necessita desafogo, o animal tem que sair fora tem que voltar à selva - nobreza romana, árabe, germânica, japonesa, heróis homéricos, vikings escandinavos: nesta necessidade todos se assemelham. Foram as raças nobres que deixaram na sua esteira a noção de "bárbaro", em toda parte aonde foram; mesmo em sua cultura mais elevada se revela consciência e até mesmo orgulho disso (como quando Péricles diz a seus atenienses, naquela famosa oração fúnebre, que "em toda terra e em todo mar a nossa audácia abriu caminho, erguendo para si monumentos imperecíveis no bem e no mal"). Esta "audácia" das raças nobres, a maneira louca, absurda, repentina como se manifesta, o elemento incalculável, improvável, de suas empresas - Péricles destaca elogiosamente a despreocupação dos atenienses, sua indiferença e seu desprezo por segurança, corpo, vida, bem-estar, sua terrível jovialidade e intensidade do prazer no destruir, nas volúpias da vitória e da crueldade para aqueles que sofriam com isso, tudo se juntava na imagem do "bárbaro", do "inimigo mau", como o

"godo", o "vândalo". A profunda, gélida desconfiança que o alemão desperta quando alcança o poder, agora novamente é uma ressonância daquele horror inextinguível com que durante séculos a Europa contemplou a fúria da besta loura germânica (embora mal exista uma relação conceitual, menos ainda sanguínea, entre os antigos germanos e nós, alemães). Certa vez chamei a atenção para o embaraço de Hesíodo, quando imaginou a sucessão das eras de cultura e buscou expressá-la em termos de Ouro, Prata e Bronze: com a contradição que lhe oferecia o mundo de Homero, esplêndido, mas também terrível e violento, ele não soube lidar senão dividindo uma era em duas, e tornando-as sucessivas - primeiro a idade dos heróis e semideuses de Tróia e Tebas, tal como aquele mundo ficara na lembrança das linhagens nobres que nele tinham seus antepassados; depois a idade de bronze, como aquele mesmo mundo se mostrava aos descendentes dos pisoteados, roubados, maltratados, arrastados, vendidos: uma era de bronze, como disse, dura, fria, cruel, sem consciência ou sentimento, a tudo esmagando e cobrindo de sangue. Supondo que fosse verdadeiro o que agora se crê como "verdade", ou seja, que o sentido de toda cultura é amestrar o animal de rapina "homem", reduzi-lo a um animal manso e civilizado, doméstico, então deveríamos sem dúvida tomar aqueles instintos de reação e ressentimento, com cujo auxílio foram finalmente liquidadas e vencidas as estirpes nobres e os seus ideais, como os autênticos instrumentos da cultura; com o que, no entanto, não se estaria dizendo que os seus portadores representem eles mesmos a cultura. O contrário é que seria não apenas provável - não! atualmente é palpável! Os portadores dos instintos depressores e sedentos de desforra, os descendentes de toda escravatura européia e não européia, de toda população pré-ariana especialmente eles representam o retrocesso da humanidade! Esses "instrumentos da cultura" são uma vergonha para o homem, e na verdade uma acusação, um argumento contrário à "cultura"! Pode-se ter completa razão, ao guardar temor e se manter em guarda contra a besta loura que há no fundo de toda raça nobre: mas quem não preferiria mil vezes temer, podendo ao mesmo tempo admirar, a não temer, mas não mais poder se livrar da visão asquerosa dos malogrados, atrofiados, amargurados, envenenados? E não é este o nosso destino? O que constitui hoje nossa aversão ao "homem"? - pois nós sofremos do homem, não há dúvida. - Não o temor; mas sim que não tenhamos mais o que temer no homem; que o verme "homem" ocupe o primeiro plano e se multiplique; que o "homem manso", o incuravelmente medíocre e insosso, já tenha aprendido a se perceber como apogeu e meta - que tenha mesmo um certo direito a assim sentir, na medida em que se perceba a distância do sem-número de malogrados, doentios, exaustos, consumidos, de que hoje a Europa começa a feder, portanto como algo ao menos relativamente logrado, ao menos capaz de vida, ao menos afirmador de vida...”

E a guerra é sentida como perdida:

“Pois assim é: o apequenamento e nivelamento do homem europeu encerra nosso grande perigo, pois esta visão cansa... Hoje nada vemos que queira tornar-se maior, pressentimos que tudo desce, descende, torna-se mais ralo, mais plácido, prudente, manso, indiferente, medíocre, chinês, cristão - não há dúvida, o homem se torna cada vez "melhor"... E precisamente nisso está o destino fatal da Europa - junto com o temor do homem, perdemos também o amor a ele, a reverência15 por ele, a esperança em torno dele, e mesmo a vontade de que exista ele. A visão do homem agora cansa - o que é hoje o niilismo, se não isto? Estamos cansados do homem...”

O homem intenso que, em sua atuação sobre o mundo, demonstra altivez, ― e Nietzsche o associa à ave de rapina. O que esperar do homem forte e poderoso, senão força e poder? O que esperam os fracos? Esperam ser fortes. mas onde e quando? No mundo pós-vida? Que tipo de homens são esses que transferem as realizações em vida a um pós-vida, senão os próprios fracos? São perguntas que Nietzsche em outras palavras nos faz.

Nas entranhas do ocidente, o homem meigo e pacificado achou seu banquete. Todo um prédio edificado sobre os pântanos dos ressentidos. Não me atrevo mais; desgrace Nietzsche!:

“Vamos concluir. Os dois valores contrapostos, "bom e ruim", "bom e mau", travaram na Terra uma luta terrível, milenar; e embora o segundo valor há muito predomine, ainda agora não faltam lugares em que a luta não foi decidida. Inclusive se poderia dizer que desde então ela foi levada incessantemente para o alto, com isto se aprofundando e se espiritualizando sempre mais: de modo que hoje não há talvez sinal mais decisivo de uma" natureza elevada", de uma natureza espiritual, do que estar dividida neste sentido e ser um verdadeiro campo de batalha para esses dois opostos. O dístico dessa luta, escrito em caracteres legíveis através de toda a história humana, é "Roma contra Judéia, Judéia contra Roma": - não houve, até agora, acontecimento maior do que essa luta, essa questão, essa oposição moral. Roma enxergou no judeu algo como a própria antinatureza, como que seu monstro antípoda; em Roma os judeus eram tidos por "culpados de ódio a todo o gênero humano": com razão, na medida em que se tenha razão ao vincular a salvação e o futuro do gênero humano ao primado absoluto dos valores aristocráticos, dos valores romanos. Quanto aos judeus, o que sentiam ante os romanos? Percebe-se por mil indícios; mas basta trazer à lembrança o Apocalipse de João, a mais selvagem das invectivas que a vingança tem na consciência. (Não se subestime, aliás, a profunda coerência do instinto cristão, quando associou precisamente esse livro do ódio ao nome do apóstolo do amor, o mesmo ao qual atribuiu aquele evangelho amoroso-altruísta -: há alguma verdade nisso, não obstante o muito de falsificação literária requerido para esse fim.) Pois os romanos eram os fortes e nobres, como jamais existiram mais fortes e nobres, e nem foram sonhados sequer: cada vestígio, cada inscrição deles encanta, se apenas se percebe o que escreve aquilo. Os judeus, ao contrário, foram o povo sacerdotal do ressentimento par excellence, possuído de um gênio moral-popular absolutamente sem igual: basta comparar os judeus com outros povos similarmente dotados, como os chineses ou os alemães, para sentir o que é de primeira e o que é de quinta ordem. Quem venceu temporariamente, Roma ou a Judéia? Mas não pode haver dúvida: considere-se diante de quem os homens se inclinam atualmente na própria Roma, como a quintessência dos mais altos valores - não só em Roma, mas em quase metade do mundo, em toda parte onde o homem foi ou quer ser domado -, diante de três judeus, como todos sabem, e de uma judia (Jesus de Nazaré, o pescador Pedro, o tapeceiro Paulo e a mãe do dito Jesus, de nome Maria). Isto é muito curioso: Roma sucumbiu, não há sombra de dúvida. É certo que na Renascença houve um esplêndido e inquietante redespertar do ideal clássico, do modo nobre de valoração das coisas: Roma se agitou como um morto aparente que é despertado, sob o peso da nova Roma judaizada sobre ela construída, que oferecia o aspecto de uma sinagoga ecumênica e se chamava "Igreja": mas logo triunfou de novo a Judéia, graças àquele movimento de ressentimento radicalmente plebeu (alemão ou inglês) a que chamam de Reforma, juntamente com o que dele tinha de resultar, a restauração da Igreja - a restauração também da velha paz sepulcral da Roma clássica. Em um sentido até mais profundo e decisivo, a Judéia conquistou com a Revolução Francesa mais uma vitória sobre o ideal clássico: a última nobreza política que havia na Europa, a da França dos séculos XVII e XVIII, pereceu sob os instintos populares do ressentimento - nunca se ouviu na terra júbilo maior, nem entusiasmo mais estridente! É verdade que em meio a tudo isso aconteceu o mais prodigioso, o mais inesperado: o antigo ideal mesmo apareceu em carne e osso, e com esplendor inusitado, ante os olhos e a consciência da humanidade - mais uma vez, em face da velha senha mentirosa do ressentimento, a do privilégio da maioria, diante da vontade de rebaixamento, de aviltamento, de nivelamento, de atraso e ocaso do homem, ecoou, forte, simples e insistente como nunca, a terrível e fascinante contra-senha do privilégio dos raros! Como uma última indicação do outro caminho surgiu Napoleão, o mais único e mais tardio dos homens, e com ele o problema encarnado do ideal nobre enquanto tal - considere-se que problema é este: Napoleão, esta síntese de inumano e sobre-humano...”

Por fim desta primeira dissertação do “Genealogia da moral”, Nietzsche oferece as perspectivas da guerra. Entende ele que ainda persiste diante das derrotas que os homens “bons” suportaram. Convoca ao debate e ao estudo da moral. Por meio desse estudo da origem e história da moral, possamos nos posicionar na peleja que perdura.